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Exceções e proteção ao princípio da relatividade contratual

Em decisão de julho de 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que pais não podem ser cobrados por dívida escolar quando o contrato com a escola for celebrado por terceiro estranho à entidade familiar, conforme Agravo Regimento ao REsp 571.709. A demanda, ajuizada pela instituição escolar em face dos pais e do terceiro, cobrava de todos o pagamento dos valores em aberto decorrente de contrato que havia sido firmado por este terceiro em benefício do filho do casal. 

A instituição escolar invocou argumentação induzindo à flexibilização do princípio da relatividade, uma das regras gerais que regem as relações contratuais. Segundo este princípio, os direitos e as obrigações que decorrem de um contrato somente podem alcançar suas partes, não podendo afetar terceiros que não consentiram e tampouco se comprometeram com aquelas obrigações. Para flexibilizar a regra geral, a instituição escolar invocou o julgamento do REsp 1.472.316, em que o STJ excepcionou o princípio da relatividade e reconheceu a solidariedade entre genitores quanto às obrigações de custeio das despesas escolares dos filhos. 

Naquele julgamento, o STJ tratou da hipótese em que o pai ou a mãe firmam isoladamente o contrato escolar para o filho, entendendo que, ainda que o contrato seja assinado única e exclusivamente por apenas um dos genitores, o outro também está coobrigado aos seus termos. É que, quando se trata de obrigações relativas à entidade familiar, o casal responde conjuntamente pelas obrigações assumidas, ainda que tenham sido contraídas por apenas um dos cônjuges/companheiros. Diante disso, o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, excepcionou a relatividade enquanto regra geral e aplicou a solidariedade entre os pais.  

No entanto, no AREsp 571.709, o STJ não acolheu a flexibilização da relatividade defendida pela instituição escolar. O relator deste julgado, ministro Raul Araújo, ressaltou não se tratar de hipótese de exceção à regra geral da relatividade, pois diz respeito a contrato celebrado com terceiro estranho à entidade familiar. Este terceiro assumiu, por si e sem qualquer relação com os pais, os encargos com a educação do filho. Não seria, portanto, uma obrigação decorrente do poder familiar que impõe a coobrigação, mas sim uma obrigação decorrente de uma mera liberalidade que não pode ser vinculante para aqueles que não a assumiram. 

Caso o STJ entendesse em sentido contrário, qualquer obrigação assumida em favor de um menor, por um amigo da família, padrinho, etc, poderia também ser exigida dos pais deste menor. Ou seja, não seria recomendável aceitar a cortesia de que um padrinho custeasse uma viagem, um curso ou quaisquer benesses em favor do filho sem que os pais antecipadamente verificassem, por si, se seriam capazes de arcar com estes custos. É que, em eventual inadimplência deste terceiro, os pais poderiam ser também demandados e coobrigados aos pagamentos da dívida. Por óbvio, seria criado um contrassenso que subverteria a eficácia vinculante dos contratos somente entre aqueles que contratam. 

Este recente julgado traz à tona a intrincada aplicação dos princípios gerais que norteiam o Direito. Estes princípios, enquanto regras gerais devem comportar exceções, já que as especificidades do caso concreto muitas vezes demandam ressalvas e adequações. No entanto, não se pode admitir exceções indiscriminadas e perder de vista o princípio geral, sob pena de se criar uma colcha de retalhos sem qualquer baliza de princípios norteadores.