DISSOLUÇÃO PARCIAL: ENTENDA AS PECULIARIDADES DE CADA CASO

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As sociedades contratuais são constituídas a partir de um múltiplo encontro de vontades. O art. 981 do Código Civil rege que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

No entanto, por diversas vezes, um ou mais sócios podem deixar de possuir esse ânimo de executarem conjuntamente determinada atividade, ou mesmo acontecerem fatos que inviabilizem essa partilha de responsabilidades e resultados.

Em tais situações, abre-se a possibilidade de ocorrer a dissolução das sociedades, seja total ou parcial.

A dissolução parcial ocorrerá nos casos em que seja possível a manutenção da sociedade, apenas com a retirada ou exclusão daqueles que não pretendem ou não podem mais permanecer no negócio.

Já a dissolução total ocorrerá quando não houver possibilidade de continuação do próprio negócio que a sociedade desenvolve.

Mas afinal, qual a diferença entre esses modelos de dissolução e em quais situações elas podem ocorrer? A seguir, explicitaremos o assunto.

Um comparativo entre dissolução total e dissolução parcial de sociedade

Em regra, a dissolução parcial de sociedade ocorre nas sociedades contratuais, enquanto que a dissolução total pode ocorrer em sociedade de qualquer natureza.

Essa aplicação da dissolução parcial para as sociedades contratuais ocorre, pois, em regra, tais sociedades possuem caráter pessoal, o que quer dizer que a figura de cada um dos sócios é importante para o negócio, e, sendo assim, a simples quebra da affectio societatis já seria suficiente para operar a dissolução parcial destas sociedades. Ou seja, ninguém seria obrigado a permanecer no negócio contra a sua própria vontade.

Já as sociedades anônimas, também definidas como sociedades institucionais, não possuem o caráter contratual. Em razão disso, em tese, não há mais a prevalência do caráter pessoal, mas sim, de sua natureza capitalista. Para essas sociedades não importa quem são os outros acionistas, mas sim, o objetivo final que é a exploração de um negócio que gere lucros e resultados para os envolvidos.

Em razão dessa diferenciação de natureza entre algumas sociedades é que, na doutrina, o mais comumente aceito é que a dissolução parcial ocorra apenas nas sociedades contratuais, como a sociedade limitada, que é seu modelo por excelência.

Nesse sentido, pode-se dizer que a dissolução parcial não é a dissolução da própria pessoa jurídica – uma vez que a empresa estará preservada – mas sim a dissolução de alguns de seus vínculos contratuais originários. Ou seja, é o rompimento do vínculo com um ou mais sócios daquela sociedade. No entanto, aquela mesma personalidade jurídica continua existindo por força dos demais vínculos contratuais existentes.

A dissolução total, por sua vez, implica em por fim à personalidade jurídica da sociedade, procedendo-se à sua liquidação e extinção. Ou seja, nesse caso a sociedade deixa de existir, pois todos os seus vínculos contratuais são dissolvidos.

O que se aplica na dissolução societária parcial?

Na dissolução parcial da sociedade, como já mencionado, não há a extinção da sociedade, mas, sim do vínculo societário existente entre o sócio ou os sócios que se retiram da sociedade e aquela.

Essa intenção de preservar a personalidade jurídica empresária decorre do fato de o Código Civil de 2002 haver recepcionado o princípio da preservação da empresa e da função social da propriedade. Daí que algumas das causas que antes, na vigência do Código Civil de 1916, eram direcionadas para a dissolução total da empresa, foram transformadas em causas de dissolução parcial.

A dissolução parcial das sociedades contratuais está prevista em vários artigos do Código Civil de 2002 (arts. 1.026, parágrafo único; 1.028; 1.029; 1.030; 1.058; 1.077; 1.085) e as causas mais comuns de dissolução parcial são:

  1. Morte de um dos sócios;
  2. Exercício do direito de retirada;
  3. Exclusão de um dos sócios;
  4. Pedido de credor de um sócio; e
  5. Renúncia de um sócio.

O caso de falecimento de um dos sócios está previsto no art. 1.028 do CC 2002, que determina que, em tal caso, deve-se proceder a dissolução parcial, com a liquidação da quota do sócio falecimento. A dissolução parcial apenas não ocorrerá, em tal caso, se o contrato disciplinar a matéria de modo diverso; se os sócios remanescentes optarem pela dissolução total da sociedade; ou ainda, se os herdeiros e demais sócios, concordarem em substituir o sócio falecido.

Por sua vez, o art. 1.029, do CC 2002, prevê a possibilidade de um sócio retirar-se da sociedade por tempo indeterminado de forma imotivada. Se a sociedade for de tempo determinado, deverá este sócio obter provimento judicial que reconheça a justa causa para a sua retirada. Essa retirada é possível tendo em vista a disciplina do artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal, que determina ninguém ser obrigado a se associar ou permanecer associado indefinidamente.

A exclusão do sócio, propriamente dita, está prevista em quatro dispositivos diferentes do Código Civil. Em síntese, as hipóteses de exclusão são: o descumprimento dos deveres de sócio; a liquidação das quotas do sócio por seu credor; a falência do sócio; e, por fim, a declaração de incapacidade do sócio. Para o caso de descumprimento de deveres pelo sócio, exige-se a ocorrência de ato culposo. Nas demais, trata-se de fato ocorrido que permite a exclusão daquele sócio.

Por fim, é importante mencionar, a falta grave cometida por um dos sócios, como um dos motivos aptos a gerar a exclusão. O art. 1.030 do CC de 2002 determina que, em caso de falta grave no cumprimento de suas obrigações, pode um sócio ser excluído judicialmente, caso a maioria dos demais sócios assim desejar.

A segunda previsão relativa à exclusão de sócio por falta grave está disposta no art. 1.085 do CC 2002, que concede aos sócios que detenham participação de mais da metade do capital social o direito de excluir um sócio que esteja pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, desde que haja previsão expressa no contrato social a respeito desse tipo de exclusão.

A exclusão, na forma do art. 1.085 do CC 2002, deverá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim e desde que tenha sido dado ao sócio acusado tempo hábil para que ele exerça seu direito de defesa.

Ainda como causa de exclusão fundada em descumprimento do contrato social, há a disposição do art. 1.058 do CC 2002, aplicável especificamente para as sociedades limitadas, que permite que um sócio excluído caso não tenha integralizado as quotas por ele subscritas, na forma e prazo previstos no contrato social, ou em trinta dias seguintes ao da notificação da sociedade para que o faça.

Esse último caso de dissolução parcial se diferencia dos demais, pois, nesta última hipótese, o sócio não terá direito à participação nos haveres sociais, mas simplesmente à restituição do valor já integralizado. Além de ser excluído, o sócio remisso deverá responder perante a sociedade pelos danos emergentes da mora.

O direito de recesso e a exclusão de sócio na sociedade anônima

Conforme já mencionado anteriormente, não há lei que permita expressamente a retirada do sócio e a dissolução parcial da sociedade anônima. Ao contrário, a lei nº 6.404/76 somente prevê o direito de retirada do acionista em hipóteses específicas, como no caso de o sócio não concordar com uma deliberação da Assembleia de Sócios.

Nas sociedades anônimas o direito de recesso está previsto nos arts. 45, 136 e 137 da Lei nº 6.404/76, hipóteses taxativas nas quais a lei confere ao acionista dissidente o direito potestativo de se retirar, recebendo o valor das ações de sua propriedade.

No entanto, não basta que o acionista divirja quanto aos rumos tomados pela companhia. Os motivos ensejadores do direito de retirada estão expressamente previstos e se restringem a hipóteses nas quais ocorram modificações substanciais na estrutura da companhia ou contra a redução nos direitos assegurados por suas ações. A função do direito de recesso é, assim, a de proteção do acionista minoritário contra determinadas decisões, desobrigando-o de permanecer em uma companhia substancialmente diversa daquela à qual se associou ao adquirir as ações.

A exclusão do sócio (decorrente da venda forçada das ações), por sua vez, somente é permitida na Lei das sociedades anônimas nas hipóteses previstas nos arts. 106 e 107, ou seja, sempre que o acionista não integralizar as ações subscritas na constituição ou aumento de capital, que é o chamado acionista remisso.

Como as hipóteses de recesso e exclusão dos acionistas na sociedade anônima são taxativas, em outras hipóteses de descumprimento de obrigação legal ou estatutária, será aplicado aos acionistas apenas a suspensão dos seus direitos sociais, nos termos do art. 120 da Lei nº 6.404/76.

Dessa forma, não há propriamente na sociedade anônima uma dissolução parcial, mas sim exercício de direito de recesso e exclusão quando o sócio é sócio remisso.

Existe dissolução parcial em sociedades de capital?

Em regra, a dissolução parcial é aplicada para as sociedades pessoais, conforme já mencionamos acima.

No entanto, a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo a ocorrência da dissolução parcial da sociedade também para sociedades anônimas, analisando o intuito preponderante da formação daquela sociedade. Ou seja, é possível ter uma sociedade anônima que tenha se formado pelo desejo do capital em si ou em razão das pessoas presentes na formação daquela empresa. Nesse último caso, o ânimo dos sócios não é apenas material, mas também têm um caráter intuito personae.

Para verificar o ânimo preponderante na formação de uma sociedade anônima, a análise é feita principalmente através das regras de admissão e demissão dos sócios. Assim, é perfeitamente possível a existência de sociedades anônimas pessoais.

O maior exemplo que temos de sociedades anônimas pessoais, são as anônimas familiares que foram constituídas em decorrência da condição de ser membro da família por cada um dos sócios e não, propriamente, do aporte de capital realizado.

Lado outro, companhias de capital aberto, que negociam suas ações em bolsas de valores, possuem natureza de sociedade de capital, tendo em vista que a condição pessoal de cada sócio não importa para a sociedade.

Assim, nas sociedades de capital, se a condição pessoal de cada sócio não é relevante, não há falar em desfazimento de vínculo por justa causa atribuída a algum acionista.

Já para as sociedades anônimas de pessoas, nas quais o vínculo pessoal dos sócios é importante, o STJ vem admitindo a possibilidade de utilizar o instituto da dissolução parcial. Tal possibilidade, inclusive, decorre do fato de que as ações das sociedades anônimas de capital fechado não possuem a mesma liquidez nas sociedades anônimas que negociam suas ações na Bolsa de Valores. No entanto, essa possibilidade de dissolução parcial nas sociedades anônimas está restrita aos casos de quebra de affectio societatis e, desde que, tal rompimento acarrete o não preenchimento de seu fim social.