Sabe-se que a execução de um loteamento demanda a concessão de aprovações previas pelo Poder Público, especialmente sob os aspectos ambiental e urbanístico.
A Constituição Federal (art. 182 da CF/88)[1] estabeleceu que a competência material para a aprovação de projetos de parcelamento e desmembramento do solo é exclusiva do Poder Executivo. Além disso, estipulou que cabe ao Poder Público Municipal a execução da política de desenvolvimento urbano de acordo com as diretrizes pré-fixadas em legislação federal (no caso do parcelamento do solo, a Lei 6.766/99).
De tais regras se depreende que compete ao Poder Executivo Municipal – e a ele apenas – a aprovação dos projetos de parcelamento do solo que pretendem ser executados por um empreendedor em determinada cidade.
Na prática, como é sabido, os aspectos urbanísticos de um projeto de loteamento são analisados por Secretarias Municipais especializadas, às quais compete avaliar a adequação de cada projeto, primeiro, à legislação federal sobre parcelamento do solo (Lei 6.766/99) e, em seguida, aos requisitos específicos eventualmente estipulados pelo arcabouço normativo do próprio Município. Uma vez validado pelas Secretarias pertinentes, o projeto segue para sanção do Prefeito Municipal a quem, como a Constituição Federal determina, compete a derradeira “palavra” sobre a aprovação ou rejeição daquele projeto.
Ocorre que há algum tempo tem se observado o surgimento de leis municipais que exigem a anuência da Câmara dos Vereadores para a execução dos projetos de loteamento.
Em tais Municípios, portanto, o processo de aprovação de projetos de loteamentos passa a assumir uma natureza bifásica, através da qual, de início, o Poder Executivo municipal (constitucionalmente atribuído do planejamento e ordenamento territorial e, portanto, detentor exclusivo da competência para regular a ocupação e o parcelamento do solo) se encarrega de dar a primeira aprovação aos projetos pertinentes ao empreendimento e, em seguida, os submetem à derradeira aprovação legislativa.
Vê-se que, em tais casos, a anuência do Legislativo Municipal constitui etapa de aprovação inteiramente autônoma, no âmbito da qual a Câmara dos Vereadores passa a deter ampla discricionariedade decisória para autorizar ou não a execução do empreendimento.
Essa exigência, porém, é inconstitucional e, por isso, passível de questionamento.
Isso porque, como visto, é a Constituição Federal quem atribuiu ao Poder Executivo Municipal a competência exclusiva para decidir questões relacionadas ao uso e parcelamento do solo. Por outro lado, as competências materiais constitucionais só podem ser excetuadas nas hipóteses previamente estipuladas pela própria Constituição. Isso quer dizer que as hipóteses nas quais é admitida a ingerência de um Poder na esfera de atribuição de outro (os chamados mecanismos freios e contrapesos) são apenas aquelas taxativamente elencadas no próprio texto constitucional. Nos demais casos, portanto (leia-se, em quaisquer outras hipóteses NÃO previstas no texto constitucional), as competências próprias de cada um dos Poderes são exclusivas e indelegáveis, o que implica dizer que é absolutamente defeso ao legislador infraconstitucional criar novas hipóteses de (ilegítima) interferência de um Poder na típica atribuição de outro.
É esse exatamente o caso das leis municipais que atribuem ao Poder Legislativo competência e discricionariedade para decidir sobre a aprovação de empreendimentos de loteamentos. Trata-se, a toda evidência, da criação de hipótese de ilegítima interferência de um Poder (Legislativo) sobre a esfera de competência de outro (Executivo), à revelia de respaldo constitucional, o que viola o princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º, CF/88)[2].
Trata-se de vicio de inconstitucionalidade material (lei cujo conteúdo estabelece regra incompatível com os preceitos da Constituição) do qual decorre a absoluta invalidade da norma.
Saliente-se, aliás, que esse vem sendo o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em casos nos quais questionadas legislações semelhantes de diversos Municípios no Estado (a exemplo do que já ocorreu com as leis de parcelamento do solo dos Municípios de Vespasiano, Lagoa Santa, Juiz de Fora, Uberlândia, Nova Serrana, entre outros).
Pelo exposto, vê-se que qualquer exigência dessa natureza – como é o caso daquelas estipuladas por toda e qualquer lei municipal que demande que um projeto de loteamento seja aprovado por pessoa outra senão o Prefeito – é passível de questionamento judicial objetivando que seja afastada no caso concreto. Para tanto, é importante valer-se de apropriada assessoria jurídica.
Para mais informações, entre em contato com o nosso time de especialistas em Direito Público.
[1] CF/88. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.
Art. 30. Compete aos Municípios: VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
[2] CF/88. Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.