Sabe-se que, via de regra, os proventos de aposentadoria são impenhoráveis, a teor do art. 833, IV, do Código de Processo Civil. Isto é, não podem ser bloqueados e levantados em favor de um credor dentro de uma ação de execução, tendo em vista se tratarem, de modo geral, de verbas voltadas para a subsistência do devedor.
Essa subsistência diz respeito aos gastos com a alimentação, contas mensais destinadas a garantia de uma vida digna, entre outros custeios nesse sentido, de modo que a possibilidade de serem destinadas à satisfação de um crédito seria completamente inconstitucional.
Entretanto, por vezes o entendimento da impenhorabilidade total dessas verbas, torna injusta a relação processual, impedindo que o credor obtenha, observada a Constituição, aquilo que lhe é de direito e favorecendo, de maneira exacerbada, o inadimplemento. Diante desse cenário, a disposição legal supracitada já estabelece duas exceções, quais sejam (i) se a dívida se tratar de prestação alimentícia; e (ii) caso o salário seja superior a cinquenta salários-mínimos mensais.
Sendo assim, até então o entendimento jurisprudencial, ou seja, as decisões dos Tribunais, no geral, reforçavam a possibilidade de haver penhora de proventos de aposentadoria quando se observasse um dos requisitos acima; ou, observando-se o caso concreto e garantindo-se a vida digna do devedor, o bloqueio fosse de valores inferiores, limitados a 30% do ganho mensal.
Porém, em recente decisão, assinada em 17 de novembro de 2023, o juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Três Lagoas/MS inovou no entendimento. Foi preconizado a necessidade de ponderar ainda mais os direitos de ambas as partes, quais sejam o do credor de receber a efetiva prestação jurisdicional e o do devedor de não ter penhoradas suas verbas destinadas à vida digna, nos termos ditos alhures.
Assim, decidiu, no caso concreto, pelo bloqueio de 10% dos proventos de aposentadoria do executado, o qual recebia, em 2021, R$ 1.300,00, sendo que o valor da dívida atingia a importância de R$ 1.312,05.
Essa decisão, sem dúvidas, é curiosa, no sentido de que poderá possibilitar novas saídas para aqueles que buscam, em processos demorados de execução, a satisfação de valores que lhes são devidos, uma vez que a forte proteção que havia do lado do devedor em detrimento do credor foi relativizada.
Muito embora seja um ponto delicado, tendo em vista, justamente, estarmos tratando daqueles valores que garantem a dignidade da pessoa humana, a abertura desta discussão acerca do absolutismo da disposição legal, que limita em muito os meios executórios e facilita a escusa do devedor em cumprir com suas obrigações de pagar, é importantíssima.
Como visto, hoje em dia, o entendimento sedimentado do Superior Tribunal de Justiça já caminha no sentido de se relativizar essa impenhorabilidade de verba salarial inferior a cinquenta salários-mínimos, admitindo, em alguns casos, a penhora do limite de 30% de tais proventos, desde que ressalvada, comprovadamente, a garantia de vida digna ao devedor e sua família (EREsp 1874222). Ou seja, desde que o percentual seja condizente com a realidade de cada caso concreto.
Na decisão da juíza da 2ª Vara Cível da Comarca de Três Lagoas/MS, o que há de novo é a baixa quantia recebida pelo devedor, pouco acima do salário– mínimo da época, uma vez que a renda citada é de 2021, quando o SM era de R$ 1.100,00. Ela possibilita a quebra de paradigmas e a possibilidade de que os credores, agora, passem a pleitear referido tipo de bloqueio judicial em verbas menores, buscando demonstrar como aquela porcentagem, se penhorada, não implicará na transgressão da vida digna do devedor.
A equipe de advogados do Corrêa Ferreira Advogados segue acompanhando tais inovações, com a expertise na busca de medidas executórias atípicas, a fim de proteger o direito do credor de receber seu crédito, observando as garantias constitucionais e infraconstitucionais do devedor. Se precisar de apoio, entre em contato conosco.
Álvaro França Teixeira